24 de outubro de 2010

Ivana (beautiful teacher)

Algumas das poesias simbolistas de Cruz e Souza:

ANTÍFONA


             Ó Formas alvas, brancas, Formas claras
             De luares, de neves, de neblinas!
             Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas...
             Incensos dos turíbulos das aras
             Formas do Amor, constelarmante puras,
             De Virgens e de Santas vaporosas...
             Brilhos errantes, mádidas frescuras
             E dolências de lírios e de rosas ...

             Indefiníveis músicas supremas,
             Harmonias da Cor e do Perfume...
             Horas do Ocaso, trêmulas, extremas,
             Réquiem do Sol que a Dor da Luz resume...

             Visões, salmos e cânticos serenos,
             Surdinas de órgãos flébeis, soluçantes...
             Dormências de volúpicos venenos
             Sutis e suaves, mórbidos, radiantes ...

             Infinitos espíritos dispersos,
             Inefáveis, edênicos, aéreos,
             Fecundai o Mistério destes versos
             Com a chama ideal de todos os mistérios.

              Do Sonho as mais azuis diafaneidades
             Que fuljam, que na Estrofe se levantem
             E as emoções, todas as castidades
             Da alma do Verso, pelos versos cantem.

             Que o pólen de ouro dos mais finos astros
             Fecunde e inflame a rima clara e ardente...
             Que brilhe a correção dos alabastros
             Sonoramente, luminosamente.

             Forças originais, essência, graça
             De carnes de mulher, delicadezas...
             Todo esse eflúvio que por ondas passa
             Do Éter nas róseas e áureas correntezas...

             Cristais diluídos de clarões alacres,
             Desejos, vibrações, ânsias, alentos
             Fulvas vitórias, triunfamentos acres,
             Os mais estranhos estremecimentos...

             Flores negras do tédio e flores vagas
             De amores vãos, tantálicos, doentios...
             Fundas vermelhidões de velhas chagas
             Em sangue, abertas, escorrendo em rios...

              Tudo! vivo e nervoso e quente e forte,
              Nos turbilhões quiméricos do Sonho,
              Passe, cantando, ante o perfil medonho
             E o tropel cabalístico da Morte...



Cárcere das Almas
Ah! Toda a alma num cárcere anda presa,
Soluçando nas trevas, entre as grades
Do calabouço, olhando imensidades,
Mares, estrelas, tardes, natureza.
Tu se veste de uma igual grandeza
Quando a alma entre grilhões as liberdades
Sonha e, sonhando, as imortalidades
Rasga no etéreo Espaço da Pureza.
Ó almas presas, mudas e fechadas
Nas prisões colossais e abandonadas,
Da Dor no calabouço, atroz, funéreo!
Nesses silêncios solitários, graves,
Que chaveiro do Céu possui as chaves
Para abrir-vos as portas do Mistério?!
 
  Cruz e Sousa
  Pressago
Nas ÁGUAS daquele lago
dormita a sombra de Iago...

Um véu de luar funéreo
cobre tudo de mistério...

Há um lívido abandono
do luar no estranho sono.

Dá meia-noite na ermida,
como o último ai de uma vida.

São badaladas nevoentas,
sonolentas, sonolentas...

Do céu no estrelado luxo
passa o fantasma de um bruxo

No mar tenebroso e tetro
vaga de um náufrago o espectro.

Como fantásticos signos,
erram demônios malignos.

Na brancura das ossadas
gemem as almas penadas.

Lobisomens, feiticeiras
gargalham no luar das eiras.

Os vultos dos enforcados
uivam nos ventos irados.

Os sinos das torres frias
soluçam hipocondrias.

Luxúrias de virgens mortas
das tumbas rasgam as portas.

Andam torvos pesadelos
arrepiando os cabelos.

Coalha nos lodos abjetos
sangue roxo dos fetos.

Há rios maus, amarelos
de presságios de flagelos.

Das vesgas concupiscências
saem vis fosforescências.

Os remorsos contorcidos
mordem os ares pungidos.

A alma cobarde Judas
recebe expressões cornudas.

Negras aves de rapina
mostram a garra assassina.

Sob o céu que nos oprime
langüescem formas de crime.

Com os mais sinistros furores,
saem gemidos das flores.

Caveiras! Que horror medonho!
Parecem visões de um sonho!

A morte com Sancho Pança,
grotesca e trágica, dança.

E como um símbolo eterno,
Ritmo dos Ritmos do inferno.

No lago morto, ondulando,
dentre o luar noctivagando,

corvo hediondo crocita
da sombra d’Iago maldita!
 
  Cruz e Sousa

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