10 de outubro de 2010

Charles Baudelaire

Autor da obra
As flores do malque é considerada um marco no simbolismo literário

Veja

As flores do mal

A QUE ESTÁ SEMPRE ALEGRE
Teu ar, teu gesto, tua fronte
São belos qual bela paisagem;
O riso brinca em tua imagem
Qual vento fresco no horizonte.

A mágoa que te roça os passos
Sucumbe à tua mocidade,
À tua flama, à claridade
Dos teus ombros e dos teus braços.

As fulgurantes, vivas cores
De tua vestes indiscretas
Lançam no espírito dos poetas
A imagem de um balé de flores.

Tais vestes loucas são o emblema
De teu espírito travesso;
Ó louca por quem enlouqueço,
Te odeio e te amo, eis meu dilema!

Certa vez, num belo jardim,
Ao arrastar minha atonia,
Senti, como cruel ironia,
O sol erguer-se contra mim;

E humilhado pela beleza
Da primavera ébria de cor,
Ali castiguei numa flor
A insolência da Natureza.

Assim eu quisera uma noite,
Quando a hora da volúpia soa,
Às frondes de tua pessoa
Subir, tendo à mão um açoite,

Punir-te a carne embevecida,
Magoar o teu peito perdoado
E abrir em teu flanco assustado
Uma larga e funda ferida,

E, como êxtase supremo,
Por entre esses lábios frementes,
Mais deslumbrantes, mais ridentes,
Infundir-te, irmã, meu veneno!

EMBRIAGUEM-SE
É preciso estar sempre embriagado. Aí está: eis a única questão. Para não sentirem o fardo horrível do Tempo que verga e inclina para a terra, é preciso que se embriaguem sem descanso.

Com quê? Com vinho, poesia ou virtude, a escolher. Mas embriaguem-se.

E se, porventura, nos degraus de um palácio, sobre a relva verde de um fosso, na solidão morna do quarto, a embriaguez diminuir ou desaparecer quando você acordar, pergunte ao vento, à vaga, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo que flui, a tudo que geme, a tudo que gira, a tudo que canta, a tudo que fala, pergunte que horas são; e o vento, a vaga, a estrela, o pássaro, o relógio responderão: "É hora de embriagar-se! Para não serem os escravos martirizados do Tempo, embriaguem-se; embriaguem-se sem descanso". Com vinho, poesia ou virtude, a escolher.

O CONVITE À VIAGEM
     Minha doce irmã,
     Pensa na manhã
Em que iremos, numa viagem,
     Amar a valer,
     Amar e morrer
No país que é a tua imagem!
     Os sóis orvalhados
     Desses céus nublados
Para mim guardam o encanto
     Misterioso e cruel
     Desse olhar infiel
Brilhando através do pranto.

Lá, tudo é paz e rigor,
Luxo, beleza e langor.

     Os móveis polidos,
     Pelos tempos idos,
Decorariam o ambiente;
     As mais raras flores
     Misturando odores
A um âmbar fluido e envolvente,

     Tetos inauditos,
     Cristais infinitos,
Toda uma pompa oriental,
     Tudo aí à alma
     Falaria em calma
Seu doce idioma natal.

Lá, tudo é paz e rigor,
Luxo, beleza e langor.

     Vê sobre os canais
     Dormir junto aos cais
Barcos de humor vagabundo;
     É para atender
     Teu menor prazer
Que eles vêm do fim do mundo.
     — Os sangüíneos poentes
     Banham as vertentes,
Os canis, toda a cidade,
     E em seu ouro os tece;
     O mundo adormece
Na tépida luz que o invade.

Lá, tudo é paz e rigor,
Luxo, beleza e langor.

Por: Rafael Lucas
 

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