30 de outubro de 2010

ARTHUR DE SALLES

LÚCIA

Lúcia chegou, quando do inverno o tredo
Vento agitava o coqueiral vetusto.
Vinha ofegante, e pálida de susto,
E trêmula de medo...
.
Ah! quanto beijo e quanto riso ledo
Deu-me o seu lábio, rúbido e venusto!
Quanto divino sentimento augusto,
Quanto infantil segredo!
.
Lúcia partiu... E aquele riso doce
Lúcia levou! A casa transformou-se
Num sepulcral degredo.
.
Se o vento agita o coqueiral vetusto,
Inda a recordo: pálida de susto
E trêmula de medo...


PÚRPURAS

Na púrpura do Verso o ouro do Sonho ardente,
Fio a fio, teci. Era manhã! Radiava
Em pleno azulo meu belo sol adolescente.
E o meu Sonho, a essa luz, resplendia e cantava.

Como a enrediça, a vida, indomada e ascendente,
Por minha mocidade em mil voltas serpeava.
E tudo, no esplendor de um mundo renascente,
Sonoro, multicor, multímodo, vibrava.

Musa, que não gemeu flébil, magoada e langue:
Vivaz, tonto de luz, salta o primeiro verso,
Ao primeiro rebate estuoso do meu sangue.

Ó selvas tropicais! Ó sonoras luxúrias!
Mundo excelso do Sonho, esvoaçando, disperso,
No incontentado ardor dessas rimas purpúreas!


SUB UMBRA

Levo o passo, hora morta, através da sombria
Soledade feral desta antiga abadia.
Fumosos lampiões nos corredores ermos
Lançam frios clarões palescentes e enfermos.
E vai comigo a noite e a cisma. Um vão lamento
Enche lá fora a treva. É o sussurro do vento
Que vem, vaga desfeita, inéxcita, rolando
E nas sombras claustrais vagamente expirando.
E no silêncio de novo, o astro silêncio. A forte
E fria sensação terebrante da morte
Desce destes glaciais lampiões morrediços,
Vem dos traços de sombra esguios, movediços
Que se alongam no chão de lápides marcado
E dançam no brancor expectante e gelado
Destas paredes ancestrais. Oh! estas riscas
De sombra, tateando estas paredes priscas!
Letras de ignota mão que traceja o problema
Do ser e do não ser, da dúvida suprema?
Geometria do nada? Eis que a sombra recua
E a parede aparece inteiramente nua.
E na sua mudez fria, rígida e calma
Fala-me: Tudo é vão, tudo é vão, menos a alma.
Menos a fé no além. Menos essa esperança
De outra vida de paz e bem-aventurança.
Menos essa beleza, a suprema beleza
Da renúncia de tudo, a heróica fortaleza
De fazer do silêncio a divina guarida.
Tudo mais, sombras vãs na parede da vida.



( Marcado, inicialmente,  pelo Simbolismo e passando, em seguida, por  uma experiência parnasiana, não cultivará a impassibilidade. Nos momentos mais felizes de sua poesia, e que não são poucos, Arthur de Salles conseguiu a perfeita consonância, entre a música do verso e o seu conteúdo )


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